SUSTENTABILIDADE| 20.04.2023
Hidrogênio verde, a energia do futuro?
Com o objetivo de combater a mudança climática, qualquer alternativa aos combustíveis fósseis é um avanço, e sua busca, uma prioridade para governos e empresas. A produção energética de fontes renováveis ou a eletrificação do transporte, as grandes protagonistas da última década, ainda apresentam obstáculos para que seu uso possa ser mais generalizado e, assim, banir as energias mais poluentes. Na corrida para encontrar um substituto, o hidrogênio verde está emergindo como uma opção promissora. Mas, como explica nesta entrevista Alejandro García-Gasco, responsável por esta área na MAPFRE Global Risks, ainda está “dando seus primeiros passos”.
O hidrogênio já é utilizado há décadas em setores como a indústria, mas não aquele conhecido como “verde”. E é que este gás, leve e altamente inflamável, não se encontra como tal na natureza, mas deve ser separado por meio de um processo químico, que emprega uma importante quantidade de energia. É este processo que determina seu impacto ambiental: o H2 “cinza”, de longe o mais empregado atualmente, é obtido a partir de combustíveis fósseis, principalmente o gás natural, e não é uma fonte de energia limpa. O H2 “verde”, por outro lado, é extraído mediante a eletrólise da água, utilizando para isso energias renováveis. Em resumo, o hidrogênio é tão limpo quanto sua extração.
O hidrogênio verde mostra um grande potencial porque, ao mesmo tempo que não emite CO2, pode ser armazenado, solucionando assim uma das grandes carências das energias renováveis. Mas seu uso em grande escala é viável? Qual é o seu estado atual e o que seria necessário para dar um impulso?
Responde a estas perguntas Alejandro García- Gasco Caboblanco, engenheiro de obras públicas e chefe técnico da área de engenharia da MAPFRE Global Risks, a unidade de grandes riscos da MAPFRE. Através desta unidade, a MAPFRE é a primeira seguradora espanhola a fazer parte da Associação Espanhola do Hidrogênio Verde, que impulsiona o desenvolvimento deste vetor energético.
Qual é o estado atual do emprego do hidrogênio verde?
Para ver em que ponto nos encontramos e as projeções que estão sendo feitas do hidrogênio, é preciso entender o marco e os tempos que nos demos na descarbonização. Os objetivos estabelecidos na última cúpula da mudança climática de Glasgow podem ser sintetizados no compromisso de reduzir as emissões de CO2 em 45% em 2030 -comparando com os níveis de 2010 – e alcançar as zero emissões em 2050.
Podemos dizer que a indústria do hidrogênio limpo está dando seus primeiros passos. Em 2020, a demanda global de hidrogênio foi de 90 milhões de toneladas (Mt), que foram produzidas quase exclusivamente com métodos poluentes de -96%-. A previsão para 2030 é que a produção de hidrogênio limpo, mediante eletrólise e também com captura de carbono (conhecido como hidrogênio “azul”), seja de 17 Mt. Mas as necessidades para alcançar os objetivos de descarbonização em um cenário médio situam-se em 696 Mt para 2050, a data marcada para as zero emissões.
Em quais setores pode começar a ser aplicado?
O terreno no qual sua implementação começará antes é sem dúvida a indústria.
A primeira estratégia adotada, com a qual o hidrogênio verde pode contribuir para a descarbonização de maneira mais rápida e efetiva, é a substituição do hidrogênio que atualmente se obtém emitindo CO2, e que é empregado de forma massiva em processos industriais. Os dois setores que cobrem quase 90% de hidrogênio são o refinamento de petróleo e a fabricação de fertilizantes.
Em segundo lugar, veremos a substituição de processos com altas emissões de CO2 com alternativas baseadas no hidrogênio limpo. Um bom exemplo é a indústria do aço, com a mudança do carvão empregado em sua fabricação pelo hidrogênio.
Estas são as aplicações que já estão acontecendo hoje, embora em uma escala ainda moderada. Outros campos de aplicação no mundo industrial serão a substituição de hidrocarbonetos na combustão tanto como contribuição de calor em fornos ou caldeiras como para a geração elétrica em turbinas a gás ou pilhas de combustível.
Como o cidadão a pé viverá esta mudança nos próximos anos?
Para o cidadão comum, por ser a indústria sua aplicação mais próxima, a esperança é que nos próximos anos os resultados percebidos estejam mais relacionados com uma melhoria das condições ambientais globais do que com modificações em sua vida cotidiana.
Saindo do âmbito industrial, é na mobilidade onde se concentram as maiores expectativas no emprego de hidrogênio como elemento transformador. Neste campo, as previsões sobre o que como usuários veremos nos próximos anos têm um alto componente de incerteza. O desafio está em romper o círculo vicioso da geração da demanda e a disponibilidade do recurso e infraestruturas que possibilitem a satisfação dessa demanda.
Que obstáculos precisa superar para ver um avanço real?
O principal obstáculo é o tempo, a necessidade de descarbonizar a atividade humana nos próximos 30 anos. Embora, em um plano mais material, o desafio seja reduzir os custos de produção e transporte.
A profundidade e a velocidade dessas reduções de custos dependerá de múltiplos fatores:
- Das decisões políticas, em forma de incentivos, mas também de penalizações aos recursos mais poluentes. E, claro, da responsabilidade dos estados em tomar decisões sobre as infraestruturas de transporte ou as políticas energéticas, que sem dúvida afetariam o custo do kg de hidrogênio.
- Os atores privados, que terão influência com seus investimentos nos custos de geração e em menor medida nos de transporte, que no uso industrial ou em grande escala não serão menores.
- O desenvolvimento tecnológico, que consumirá recursos pelo investimento para a “aprendizagem” das tecnologias incipientes, aumento do rendimento das existentes, aumento da confiabilidade, etc. Este desenvolvimento será incentivado quando avançar a competitividade em um mercado que promete atratividade para os atores privados (fabricantes, engenharias, operadores, etc.).
É, portanto, um processo gradativo e de longo prazo
É preciso ter em mente os compromissos adquiridos e os tempos em que as energias alternativas devem dar seus frutos. Nas décadas seguintes, viveremos um processo de transição no qual veremos como se semeiam os compromissos de zero emissões com a realidade, e onde provavelmente viverão situações não puramente de zero emissões, mas que sem dúvida é preciso avaliar como positivas, porque ajudarão a atingir o objetivo final.
Um exemplo é a decisão da UE de considerar como energia ‘verde’ a derivada das usinas nucleares e do gás. Além da forte carga política, há uma alta dose de realidade ao assumir que a capacidade real de gerar a suficiente energia renovável para produzir o hidrogênio verde necessário é limitada.
No desenvolvimento do hidrogênio, o setor segurador terá especial relevância em sua segurança. Que desafios apresenta nesta matéria?
Como mencionamos, o emprego de hidrogênio em processos industriais não é novo, temos o conhecimento e a tecnologia para operar com segurança os sistemas que empregam H2 nas condições – principalmente pressão e temperatura – que os desenvolvimentos atuais gerenciam.
Os desafios que serão apresentados no futuro em segurança serão consequência da evolução da tecnologia e do uso do hidrogênio em novas aplicações.
- Riscos operacionais – erro humano – ao tirar seu uso de ambientes industriais e com altos padrões de segurança para outros menos acostumados ou conscientizados com o risco de incêndio e explosão.
- Os riscos próprios das tecnologias em desenvolvimento. Por exemplo, no emprego de nova tipologia de eletrolisadores.
- Riscos do escalamento de tecnologias já existentes.
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