SUSTENTABILIDADE | 05.06.2020
“Precisamos pensar em alternativas para uma gestão mais sustentável da água”
Enfrentar o problema da escassez de água de uma maneira sustentável é o principal objetivo do projeto que está sendo realizado pela pesquisadora espanhola Cleis Santos. Esta madrilenha nascida em 1989 trabalha atualmente na Universidade de Bremen (Alemanha) em um sistema de dessalinização da água capaz de armazenar energia durante o processo, depois de 4 anos de desenvolvimento dentro do Instituto IMDEA da Comunidade de Madri (Espanha). Conversamos com ela para conhecer um pouco mais do seu trabalho.
Como você começou a trabalhar nesse sistema de purificação da água?
Sempre tive uma grande curiosidade para conhecer e explorar, especialmente sobre tudo relacionado às energias renováveis e á água. No último ano de engenharia química tive a oportunidade de fazer um estágio em um instituto onde se trabalhava em uma linha de pesquisa de eletroquímica, que combinava tanto a purificação da água quanto o desenvolvimento de dispositivos, tudo isso sob o ponto de vista da sustentabilidade e da gestão energética.
A verdade é que me encontrei ali, desde o primeiro dia o envolvimento foi muito natural, tanto que desenvolvi minha tese com eles durante 4 anos.
Água com menos salinidade
Em que consiste esta pesquisa?
Basicamente, o sal na água não é sólido, mas sim na forma de íons com carga positiva e negativa. Como todos sabem, o sal é cloreto de sódio, por isso a água tem tanto cloreto quanto sódio.
Assim, se introduzimos essa água em um sistema com uma carga positiva e outra negativa, estas cargas serão responsáveis por atrair os íons “contrários”, como se fosse um ímã, apesar de não termos um campo elétrico propriamente dito.
Ou seja, o que conseguimos é que as cargas positivas (os sódios) sejam absorvidas no eletrodo negativo, e as cargas negativas (os cloretos) façam o mesmo no positivo. Dessa maneira, seu conteúdo é reduzido e podemos dizer que estamos dessalinizando.
Um ponto muito importante nesse processo de obtenção da água com menos salinidade é que o sistema seja capaz de acumular energia, algo como carregar uma bateria ou um supercondensador. E, claro, essa energia pode ser reutilizada.
Em um cenário ideal, se tivéssemos uma eficiência de 100%, o consumo seria zero e esse é o objetivo da pesquisa esses anos: o de poder recuperar essa energia e fazer o processo o mais energeticamente eficiente possível.
Quais são as principais diferenças em relação ao sistema por osmose usado atualmente? Que consumo energético cada um exige?
Em primeiro lugar, é preciso comentar que a osmose é implementada em todo o mundo, e que a nossa tecnologia, atualmente, é viável para águas salobras, não água do mar.
Quanto ao gasto energético, de acordo com os últimos dados que recebemos de nossos dispositivos, estamos falando de 0,4 Watt-hora-grama, enquanto a osmose chega a faixas entre 1 e 1,5 Watts-hora-grama.
Também é verdade que o nosso sistema deverá ser dimensionado. Estes primeiros resultados são de protótipos e ainda há muita margem de melhoria no desenvolvimento dos dispositivos. Acreditamos que com o trabalho sendo realizado em Bremen (passando de uma tecnologia baseada em supercondensadores a outra de processos do tipo bateria) podemos estender a faixa de salinidade e reduzir o consumo a 0,3 Watt-hora-grama.
Por outro lado, o processo de osmose produz uma corrente de químicos quando limpam as membranas, além de despejar uma salmoura muito concentrada no mar. Ou seja, não é muito sustentável.
Em qual fase está a sua pesquisa? Quando será implementada?
Agora mesmo ela está em nível laboratorial e início de usinas-piloto. Pode-se dizer que estamos na fase em que é necessário envolver empresas e organizações, pois com sua participação podemos começar a pensar em uma validação em usinas reais. Precisamos dar este salto.
Enfrentando a desertificação
Em quais zonas geográficas esse sistema de dessalinização pode ser mais efetivo?
De acordo com todos os painéis governamentais contra a mudança climática, a previsão é que na área mediterrânea teremos de pensar em alternativas para uma gestão mais sustentável da água. Estamos acostumados a abrir a torneira e consumir água de qualidade, mas precisamos pensar no futuro. É fato que nessa área está previsto um importante processo de desertificação.
Outro exemplo é a América do Sul, onde há muita necessidade de uma gestão sustentável da água em setores como a mineração.
O que você acha das medidas sendo tomadas para conter as mudanças climáticas?
Toda ação é bem-vinda, mas precisamos de um compromisso das pessoas, não só das instituições. Cada um de nós, como membros da sociedade, temos de nos envolver e pensar que temos uma responsabilidade. Se não for assim, as medidas que os governos tentarão estabelecer serão insuficientes e será preciso pensar em mais opções.
Como as mudanças e o aumento de temperatura afetam a água?
Está tudo relacionado, pois forma parte de um ciclo. Se a temperatura sobe, os processos de desertificação se intensificam e a água deixa de estar disponível para todos os seus usos. Pensar que são coisas separadas, o fato de que as temperaturas aumentam ou de que o nível do mar não vai afetar o fornecimento de água em nossas casas, é um erro.
A ciência está em nosso dia a dia, mas a responsabilidade individual é algo com que precisamos parar e refletir. Temos que pensar em como podemos ajudar, cada um de nós. Não precisa ser um cientista para cuidar do meio ambiente e lutar pela sustentabilidade.
Precisamos de uma mudança. Não podemos continuar pensando que algo não vai acontecer até que aconteça. Acredito que a sociedade espanhola e a europeia estão bem preparadas para fazer essa mudança. Mas é preciso colaboração internacional. Somos seres sociais e devemos encontrar a maneira de colaborar entre todos. Não podemos pensar que sozinhos enfrentaremos o desafio da água.