SUSTENTABILIDADE | 20.10.2023
A educação, chave para superar as desigualdades e fortalecer a democracia no Brasil
Rebecca Tavares, presidente e CEO da BrazilFoundation, instituição reconhecida pela Fundación MAPFRE como a melhor entidade pela sua trajetória social, sublinha o potencial do Brasil, um dos países com maiores recursos naturais, mas também com grandes desigualdades.
No ano 2000, Leona Forman, nascida na Rússia em uma família da comunidade judaica, criada na China, que havia morado no Rio de Janeiro (Brasil) e trabalhado na ONU em Nova York (Estados Unidos), decidiu criar, após sua aposentadoria, junto com seu marido (um antropólogo norte-americano), uma organização voltada para ajudar o Brasil. Assim surgiu a BrazilFoundation, entidade organizada ao redor desse matrimônio de brasileiros que estudam ou trabalham nos Estados Unidos, mas que desejam fazer algo pelo seu país. Primeiro, eles enviam dinheiro para colaborar com projetos comunitários e depois começam a promover doações nos Estados Unidos para ajudar o Brasil. Pessoas anônimas (ou não tão anônimas, em alguns casos), instituições e empresas aderem a esse projeto e a BrazilFoundation, que teve sua primeira sede em Nova York (que mantém) e que acabou estabelecendo outra sede também no Rio de Janeiro (Brasil) para canalizar todos esses recursos e desenvolver iniciativas que ajudam a diminuir as desigualdades na população desse país.
Recentemente, Rebecca Tavares viajou a Madri para receber das mãos de Sua Majestade, a Rainha Sofia, o prêmio de melhor entidade por sua trajetória social, concedido pela Fundación MAPFRE.
Conversamos com ela sobre essa instituição, que conseguiu mobilizar mais de 45 milhões de dólares desde sua criação e ajudar de forma direta mais de 120.000 pessoas. Essas 120.000 pessoas são 120.000 agradecimentos que a Fundación MAPFRE quis reconhecer com o prêmio, que certamente servirá para continuar realizando projetos que melhorem a vida dos brasileiros com mais necessidades.
Oferecer atendimento ambulatorial e atenção primária às mulheres das comunidades de Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, no Rio de Janeiro, ou utilizar a educação como ferramenta para preservar a língua e a cultura do povo indígena Terena, em risco de extinção, são apenas dois exemplos das muitas atividades realizadas pela BrazilFoundation.
Em quais linhas de atuação a BrazilFoundation está se concentrando no momento?
Em 2022, demos um impulso à instituição ao nos concentrar em quatro áreas de atuação, que em linhas gerais podem ser resumidas na luta contra o racismo (especialmente a população negra), direitos das meninas e das mulheres, fortalecimento dos povos indígenas tradicionais, através de meios de vida sustentáveis, e educação de crianças e adolescentes.
Focar nessas quatro áreas nos permite acompanhar esses projetos e seu monitoramento no campo de atuação. Reduzimos o número de projetos, mas aumentamos a quantidade de recursos alocados a cada um deles e estendemos seu prazo, passando de um para dois anos. Acreditamos que isso nos tornará mais efetivos.
Essas iniciativas nos ajudam a avançar na igualdade de gênero e racial, promover a justiça social, diminuir a pobreza e preservar as comunidades indígenas do Brasil.
Como vocês escolhem os projetos nos quais trabalhar?
Recebemos centenas, milhares de projetos e, infelizmente, não temos a capacidade de financiar todos eles. Gostaríamos de poder! Desde a criação da BrazilFoundation, já apoiamos mais de 850 projetos sociais.
Todo projeto que iniciamos deve atender a quatro critérios: ser inovador, ter possibilidade de escalabilidade, ser financeiramente viável e ser mensurável.
Graças ao trabalho filantrópico da sociedade, de múltiplas empresas e de cada cidadão que contribui com o que pode, a BrazilFoundation consegue tornar realidade esses projetos. Essa cultura da filantropia nos ajuda a construir um país mais justo e solidário. Precisamos promovê-la!
Qual é o principal desafio que o Brasil enfrenta no curto e médio prazo?
A desigualdade (e responde de forma contundente e muito rápida, apesar de suas respostas, em um perfeito espanhol, serem pausadas, calmas, sentindo como seus os problemas dos quais fala). O Brasil é um país que tem muita riqueza, mas é uma nação que ainda possui uma sociedade muito pobre. A chave para superar a desigualdade é a educação. A educação pública deve ser de boa qualidade e de fácil acesso. A educação deve ser mais valorizada. Os professores, no Brasil, não são reconhecidos como deveriam, nem seus salários. Além disso, os grupos mais marginalizados da sociedade, índios, negros e meninas, e se ainda forem negros ou indígenas, ainda mais, têm menos acesso à educação e, portanto, a maneira de combater a desigualdade é através da educação.
Que lições vocês aprenderam nessas mais de duas décadas de atuação da BrazilFoundation?
Aprendemos sobre a importância da justiça social. É preciso investir em educação, formação para trabalhar e segurança pública. Isso é muito importante, mas não conseguiremos avançar muito se não alcançarmos a transformação social. É preciso mudar a mentalidade para promover a equidade. Encorajar a igualdade social e reconhecer que o racismo e o patriarcado, em muitas sociedades, obstaculizam o avanço em direção a essa igualdade. É por isso que mudar a mentalidade é tão importante e isso se consegue por meio da educação.
Durante esse tempo, a BrazilFoundation realizou múltiplos projetos com a ajuda desinteressada de brasileiros e de pessoas de outras nacionalidades. Do que vocês mais se orgulham?
De muitos casos de superação individual que temos visto. Pessoas que, através do trabalho, alcançaram um nível de influência importante no serviço público ou na vida política e social do Brasil. Elas são o claro exemplo de que a educação é muito importante e hoje são o melhor espelho no qual podemos nos olhar para replicar projetos e continuar trabalhando para criar as ferramentas e construir um Brasil mais justo e solidário, e são também a esperança para os mais jovens.
Qual seria seu desejo para a próxima década para o Brasil?
Eu gostaria de ver a polarização eliminada da sociedade brasileira e também dos países nos quais essa polarização se instalou. As instituições e a sociedade civil ainda estão em consolidação no Brasil. Apoiar e promover a igualdade, através da educação, é o componente mais importante para fortalecer a democracia.
Rebecca Tavares se entusiasma ao falar dos projetos que a BrazilFoundation está realizando e menciona que reconhecimentos como esse são um estímulo “incalculável” para todas as organizações envolvidas na transformação social em diferentes regiões do mundo.
Ela repete a palavra educação em muitas ocasiões. Provavelmente, foi a que mais repeti durante toda esta entrevista (que foi mais uma conversa) e sempre se justifica. Se ela acredita em alguma coisa, é no poder da educação. Com certeza. Portanto, dizer que é uma defensora ferrenha da educação e que através dela é possível mudar o mundo, ainda que dando pequenos passos que serão grandes conquistas vistas com a perspectiva do tempo, é simplesmente descrever uma realidade que qualquer pessoa que teve a oportunidade de conversar com ela pôde confirmar.
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