SUSTENTABILIDADE| 30.07.2021
Patricia Fernández: “Devemos nos antecipar e criar cultivos resistentes às doenças que virão com as mudanças climáticas”
Marta Villalba
Nos últimos anos, a União Europeia proibiu a utilização de alguns pesticidas por serem nocivos para a saúde humana, por matarem insetos e contaminar o ambiente. Entretanto, os pesticidas são necessários para o controle de pragas, para o crescimento dos cultivos e, subsequentemente, para a produção de alimentos e para a segurança alimentar. Para eliminar este problema, os biopesticidas buscam ser uma alternativa natural ou orgânica aos químicos. Espera-se que o mercado mundial de biopesticidas ultrapasse os 3,3 bilhões de dólares em 2026.
Neste contexto de expansão de produtos desenvolvidos a partir de substâncias naturais, trabalhos como o da biotecnóloga Patricia Fernández Calvo, pesquisadora do Centro de Biotecnologia e Genômica de Plantas da Universidade Politécnica de Madri (CBGP), buscam abrir caminhos novos e menos prejudiciais para a saúde do planeta. Apaixonada pela biologia molecular das plantas, ela pesquisa o sistema imunológico dos vegetais para descobrir seu funcionamento e quais as substâncias que favorecem o seu fortalecimento. Por meio de seu projeto para identificação de bioprotetores e bioestimulantes nas plantas, em 2019, ela recebeu um prêmio do programa L’OREAL-UNESCO for Women in Science.
“Identificamos biomoléculas tipo açúcar da própria planta que as ajudam a se defenderem melhor de fungos, e que podem ser usar como inseticidas em cultivos, evitando o uso de agentes químicos externos. Estudamos também os mecanismos moleculares pelos quais esses compostos protegem a planta”, explica a pesquisadora. Para isso, eles modificam os genes da planta (da espécie arabidopse, uma erva daninha muito utilizada nas pesquisas) para produzir mais ou menos compostos e, em seguida, extraem-nos para produzi-los e aplicá-los no campo.
“Temos uma bateria de compostos identificados que ativam o sistema imunológico, e agora realizamos testes em estufas para verificar se eles também funcionam fora das condições de laboratório.” Até o momento, a equipe de pesquisadores do CBGP constatou sua eficácia em tomates e pimentões. Seu próximo passo será examinar se o mesmo acontece com o trigo em um estudo pioneiro.
“Embora muitos já tenham sido proibidos, está demonstrado que alguns pesticidas existentes no mercado se acumulam nos tecidos humanos. Por mais que lavemos frutas e legumes, eles entram na planta e são ingeridos quando consumimos os vegetais. Por outro lado, os produtos químicos dos pesticidas poluem os solos e os aquíferos, criando um círculo vicioso, em que se exige mais produção às custas da contaminação dos solos e dos aquíferos”, aponta a pesquisadora.
“Muitos dos compostos que identificamos são bioestimulantes, porque vimos que eles não somente melhoram o sistema imunológico, mas também permitem que as plantas cresçam com mais vigor, e é esta parte da pesquisa que estamos tentando compreender. São fatores comumente associados: se você se proteger melhor, vai crescer melhor. Assim, eles poderiam ser usados como fertilizantes”, ressalta a bióloga molecular.
Outro objetivo da pesquisa é antecipar os efeitos das mudanças climáticas. “Quando a temperatura global aumenta, multiplicam-se os agentes patogênicos do ambiente, especialmente os fungos. É muito importante nos anteciparmos a isso e criar culturas capazes de resistir às doenças que vão surgir com o aumento da temperatura global”, enfatiza. A pesquisadora defende os transgênicos para enfrentar os desafios do futuro, como a desertificação. Esse processo de degradação, argumenta Patricia Fernández Calvo, causará o movimento de grandes massas populacionais na direção de áreas mais temperadas em busca de alimentos. “As mudanças climáticas devem ser abordadas de uma forma global para que todos os países façam um acordo com o objetivo de remar na mesma direção e, infelizmente, vejo que não é esse o caso”, queixou-se a pesquisadora.
A especialista em imunidade de plantas teme duas consequências fatais do aumento da temperatura: o empobrecimento dos solos por falta de água e a proliferação dos fungos que infectam os cultivos. “Todas as pesquisas tentando gerar cultivos com menos necessidade de água em que as plantas cresçam em condições hidropônicas sem necessidade de terra são extremamente importantes. Porque, no ritmo em que a população humana cresce, não teremos campos suficientes para fornecer alimentos para todos. Por isso, a solução vai estar nos transgênicos e na otimização das condições de cultivo. A partir dos laboratórios, estamos conseguindo dar algumas respostas importantes para cultivos com menos exigências exógenas (de água, de terras, de nutrientes etc.), porque estamos tentando melhorá-las de dentro, a parti dos genes.”
Patricia Fernández Calvo defende as técnicas de edição genética ou transgênica, porque as plantas geneticamente modificadas passam mais controles do que qualquer outro alimento ou tratamento do campo. “Elas não apresentam nenhum perigo para a saúde humana. O único que poderia ter é se tornar uma espécie invasora, mas isso também não acontece porque, em geral, os transgênicos de laboratório são estéreis e não podem cruzar com outras plantas. Vivem durante uma geração e depois morrem, deixam suas sementes e é isso. Estão controladas”, explica.
Além de eliminar o uso de pesticidas, dar resposta a muitos problemas das mudanças climáticas e alimentar melhor a população, a biotecnologia também espera que a compreensão a respeito da imunidade das plantas produza respostas a problemas relacionados ao sistema imunológico dos seres humanos. Assim, a equipe do CBGP está desenvolvendo uma série de tecnologias por meio das quais pretende verificar se essa função protetora dos açúcares atua de forma igual nos animais. Um trabalho que confirmará se algum efeito venenoso ocorre em outro tipo de células ou sistemas. “Essa verificação é necessária para produzir uma planta transgênica que possa ser comercializada.”