SEGUROS| 31.05.2023
Motins e violência política, um risco crescente, mas imprevisível
Os momentos em que o descontentamento social e as reivindicações políticas ultrapassam o protesto pacífico e se transformam em violência são uma constante na História. No caminho, deixam algumas sequelas que podem impactar totalmente o setor do seguro, que viu como nos últimos anos aumentaram as perdas causadas por estes acontecimentos, desde os coletes amarelos na França até o Black Lives Matter nos Estados Unidos, passando por distúrbios no Peru, Chile e outros países latino-americanos.
No mundo segurador, os danos assim ocasionados e sua cobertura são conhecidos como SRCC, as siglas em inglês de greves, motins e comoção civil. Os principais problemas enfrentados pelo setor segurador com esses riscos são, por um lado, a grande destruição que podem causar e, por outro, seu caráter imprevisível.
- São potencialmente devastadores
Entre os maiores acontecimentos de desordens públicas dos últimos anos, um dos mais midiáticos foram os motins que se seguiram à morte de George Floyd nas mãos da polícia em 2020 nos Estados Unidos. Os protestos provocaram atos de vandalismo em mais de uma centena de cidades ao longo de todo o país, que representaram um custo aproximado para a indústria seguradora de cerca de 1.500 milhões de dólares.
Apesar disso, não é o evento de maior magnitude dos últimos anos. Em 2021, a detenção na África do Sul do ex-presidente Jacob Zuma desencadeou protestos que, inflamados pelo descontentamento pela situação econômica e tensões raciais, acabaram desencadeando uma onda de violência no noroeste do país. Centenas de lojas, centros comerciais, fábricas e outras propriedades e infraestruturas foram saqueados e queimados, o que deixou um custo estimado para as seguradoras de cerca de 1.700 milhões de dólares.
- Um risco de caráter imprevisível
Apesar da natureza espontânea – e, portanto, pouco previsível – de muitos riscos, o seguro baseia boa parte de sua atividade em colocá-los em números e modelá-los, o que pode ser feito com os sinistros, acidentes ou até eventos naturais extremos. No caso das desordens sociais, e apesar de que as companhias dedicadas a esses grandes riscos contam com analistas de riscos políticos, as projeções para esses tipos de eventos são extremamente difíceis.
Há indicadores que influenciam neste risco, como a proximidade de eleições em países onde a violência política é mais frequente e, claro, causas mais profundas, como uma situação econômica ruim, mas os eventos que finalmente acendem o pavio são muito diversos. A Primavera Árabe, que agitou e derrubou governos em toda essa região no início da década passada, também deixando danos milionários, começou após o confisco da mercadoria de um vendedor ambulante, que mais tarde se imolou como protesto.
Um fenômeno em ascensão no âmbito global
Diferentes estudos do setor segurador indicam que está sendo registrado um aumento das indenizações derivadas do conflito social, uma tendência que confirma Javier San Basilio. Diretor Geral Adjunto da MAPFRE RE. “Nos danos relacionados com as coberturas de greves, motins e comoção civil, vimos recentemente um incremento tanto de sua frequência como de sua intensidade e custo”, afirma San Basilio.
Esta maior incidência está levando o setor a repensar a forma como os riscos SRCC são cobertos, com uma delimitação maior das coberturas e sua alocação a contratos específicos de riscos políticos. É um movimento similar ao que ocorreu após os atentados de 11-S, quando os danos por ataques terroristas foram excluídos da grande maioria das apólices gerais, e começaram a ser cobertos de maneira conjunta por pools de seguradoras que mutualizam o risco.
Estes pools já operam em muitos países também para riscos políticos. É o caso da Espanha, onde o Consórcio de Compensação de Seguros se encarrega de cobrir os danos “causados violentamente como consequência de rebelião, sedição, motim e tumulto popular”. Assim, é este fundo comum das entidades privadas que responde pelos danos desta natureza, que, de outra forma, poderiam desestabilizar financeiramente qualquer companhia, caso atingissem a magnitude dos acontecimentos vistos acima.
Clareza e previsibilidade, as chaves para enfrentá-lo
“A indústria seguradora precisa de clareza e previsibilidade diante deste risco crescente e em evolução constante”, explica Javier San Basilio. Por parte dos especialistas da MAPFRE RE, a unidade de resseguro da MAPFRE, a resposta adequada passa pelo esclarecimento dessas coberturas; uma precificação adequada, já que as coberturas SRCC eram oferecidas quase sem custo adicional em tempos de mercado “soft”; uma limitação do possível impacto, diante da especial preocupação gerada por um possível evento sistêmico de caráter global; e uma colaboração com as diferentes autoridades nacionais para estabelecer mecanismos de gestão do risco, como os pools especializados.
A necessidade de clareza nos contratos é vital para um fenômeno como a violência política, que é, em princípio, mais abstrato que outras coberturas e, na ausência de uma definição precisa, pode dar lugar a interpretações diversas. Foi o que aconteceu depois das massivas manifestações e distúrbios que ocorreram na Indonésia em 1998, e que causaram danos materiais no valor de cerca de 250 milhões de dólares.
O risco político não estava coberto na maioria dos contratos de seguros, cedidos em grande parte a resseguradoras internacionais, portanto, inicialmente, o setor não seria tão afetado. Mas o regulador local decidiu que as desordens não tiveram uma motivação política, em uma decisão muito discutida – os protestos antigovernamentais que ocorreram nessas datas terminaram com a renúncia do presidente Suharto. As resseguradoras pagaram finalmente as indenizações, mas depois da exigência de introduzir novas cláusulas para os contratos futuros que resolvessem este debate.
ARTIGOS RELACIONADOS: