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SAÚDE | 13.04.2020

J. A. Madrid, cronobiólogo: “O uso de dispositivos móveis deve ser evitado uma ou duas horas antes de dormir”

Pergunta: O que é a cronobiologia?

Resposta: É a ciência que estuda os ritmos de vida. Ela se ocupa de todos os fenômenos biológicos que se repetem com certa cadência: todos os dias, meses ou anos. Por exemplo, os ritmos diários de sono-vigília, de pressão arterial e de cortisol; ou dos ritmos anuais das epidemias de gripes ou nascimento de crianças. Podemos afirmar que os cronobiólogos são os relojoeiros da vida.

P: Como funciona o nosso relógio biológico?

R: Nosso corpo realiza uma sinfonia de ritmos que se manifestam em todas as nossas funções e comportamentos, embora não sejamos conscientes disso. Essa música é regida por um relógio biológico, que marca nosso tempo interno e a hora dos componentes do nosso corpo. O tempo interno não precisa coincidir com o tempo imposto pelas obrigações sociais (o tempo social). No entanto, geralmente é coordenado com o tempo ambiental, fundamentalmente definido pelo nascer e pelo pôr do sol.

O sistema que cria o tempo interno e o mantém sincronizado com o tempo ambiental e social é denominado sistema circadiano ou relógio biológico. Este atua como regente da orquestra de todo o corpo e está localizado no cérebro. Recebe informações sobre a luz através dos olhos e envia sinais a todo o organismo. Ao analisar determinado órgão, como o fígado, também podemos encontrar relógios nele, e se examinarmos uma célula do fígado, ela também apresentará relógios no seu interior. Essa complexidade, junto com a mudança dos ciclos ambientais e hábitos de vida pouco saudáveis característicos das sociedades desenvolvidas, facilita uma alteração no relógio biológico.

P: Como a quarentena afeta o nosso relógio biológico?

R: O confinamento de pessoas em ambientes completamente isolados do exterior é estudado há muito tempo pelos cronobiólogos. Sem precisar irmos muito longe, no ano passado colaboramos com a BBC em um documentário em que um voluntário permaneceu durante dez dias em um bunker nuclear. Observamos que cada dia ele se deitava aproximadamente meia hora mais tarde que o dia anterior, mas sempre fazia com o mesmo padrão de atraso. Essa mensagem para que fosse dormir, sem saber conscientemente que horas eram, era enviada por seu relógio biológico.

Mesmo não sendo uma situação tão extrema, a quarentena pelo coronavírus é uma condição em que muitas das mensagens do tempo, ou sincronizadores sociais, estão sendo perdidas. Eu me refiro aos horários de entrada e saída do trabalho, os horários escolares etc. Por isso, se quisermos evitar que o coronavírus nos tire o sono por conta de ritmos bagunçados, precisamos adotar como um objetivo prioritário potencializar os sincronizadores perdidos.

P: Quais são as dificuldades que podemos observar para dormir?

R: O mais frequente é notar certa dificuldade para conciliar o sono, também como consequência da preocupação e do medo do contágio, e também da perda do trabalho.

Entretanto, se mantivermos horários regulares e incorporarmos uma série de hábitos saudáveis, será possível, inclusive, dormir melhor do que antes, já que estamos livre para fixar um horário de sono que se adapte melhor ao nosso cronotipo pessoal.

 

“A falta de exercícios tem um impacto negativo sobre o sono, o metabolismo e o humor”

P: Qual é a importância do descanso em um contexto como o atual?

R: Uma forma de “recarregar as baterias” do relógio biológico é pelo contraste entre o que fazemos durante o dia e durante a noite. A atividade durante o dia e o descanso noturno são as duas caras de uma mesma moeda. Por isso, potencializar o repouso durante a noite será imprescindível para nos sentirmos mais cheios de vida no dia seguinte.

Para encontrarmos o sonho, temos de conduzir nosso corpo e nossa mente por um caminho de desconexão progressiva: desconectar de notícias, diminuir a intensidade e a potência da luz, não comer tarde, não realizar exercícios físicos antes de dormir e estabelecer rotinas de relaxamento antes de dormir. Durante o dia, também é interessante descansar a mente de notícias e redes sociais incluindo alguns momentos para não fazer absolutamente nada.

P: Nesses dias, muitas pessoas não tem a possibilidade de sair para uma sacada ou um jardim. A falta de exposição ao ar livre e à luz natural pode ser prejudicial?

R: Os ambientes ao ar livre e a exposição à luz natural funcionam como antidepressivos e relaxantes. Basta lembrar como nos sentimos quando voltamos para casa depois de um dia de sol na praia ou no campo. Além disso, a luz natural é o melhor sincronizador do nosso relógio biológico. Por isso, devemos aproveitar ao máximo os momentos disponíveis para ficarmos perto de uma janela, deixar o sol entrar em casa ou mesmo permanecer um pouco em uma sacada ou terraço.

 

“A luz das telas engana nosso relógio biológico, indicando que ainda não é hora de dormir”

 

P: Uma das poucas formas que temos de nos relacionar durante a quarentena é por meio do telefone celular ou do computador, e o uso excessivo desses dispositivos pode acabar nos afetando?

R: Felizmente, a maioria das pessoas dispõe de celulares que nos permitem estamos o tempo todo conectados. Porém, essa tecnologia também tem seu lado negativo. Ela pode aumentar o sedentarismo, nos deixar dependentes de notícias e redes sociais, e aumentar a exposição à luz das telas durante a noite. O uso de dispositivos móveis deve ser evitado uma ou duas horas antes de dormir. A luz das telas não somente ativa o nosso cérebro, mas também engana nosso relógio biológico, indicando que ainda não é de noite e que, por isso, ainda não é hora de dormir.

P: E a falta de atividade física?

R: Somos projetados para estarmos em movimento, por isso, quanto menos atividade física fizermos, mais nos afastamos desse design natural, com um consequente impacto negativo sobre nosso sono, metabolismo e humor. A situação da quarentena impõe um aumento quase obrigatório do sedentarismo, o que contribui para a deterioração do relógio biológico e do sono.

P: Que conselhos você daria para alguém que percebeu uma piora na qualidade do sono?

R: O que afirmo a seguir é válido para todas as pessoas, mas especialmente para aquelas que percebem que seu sono piorou em decorrência da quarentena. Devemos trabalhar em três campos: os hábitos, o controle de informações e os objetivos de vida.

Em primeiro lugar, devemos estabelecer horários para cada uma de nossas atividades: sono, refeições, exercícios físicos, ócio e contato social (virtual).

Em segundo lugar, precisamos diferenciar os momentos e os lugares destinados ao trabalho, ao descanso e às distrações. Alguns bons hábitos para o confinamento são: começar o dia com um pouco de exercício físico moderado (alongamento, flexões, yoga etc.) e exposição à luz natural; não trabalhar na cama; tirar o pijama e vestir uma roupa do dia a dia, como se fôssemos sair; aproveitar todas as oportunidades para nos movimentarmos; e evitar passar muito tempo na frente das telas.

Em terceiro lugar, é importante reservar um tempo suficiente para o sono e o descanso. Isso pode ser conseguido com o adiantamento dos horários das refeições (o almoço antes das três da tarde, e o jantar no mínimo duas horas antes de dormir); e utilizar uma luz fraca e desconectar os celulares e tablets antes de dormir.

​Outro problema que afeta o sono é o excesso de informações, muitas vezes inúteis, com a proliferação de notícias falsas que nos impedem de nos concentrarmos em tarefas mais reconfortantes e produtivas. Por isso, uma “dieta” de informações também pode nos fazer muito bem.

Por fim, e isso é válido para todos os momentos, acredito que é importante evitar “matar o tempo”. Devemos começar cada dia com algum objetivo que nos faça sair da cama com vitalidade. Até o mês passado reclamávamos que não tínhamos tempo para fazer as coisas de que gostamos, e agora pode ser a hora de colocar tudo isso em dia.

 

Dez hábitos para descansar bem durante o confinamento

  • Dormir com escuridão total todas as noites.
  • Expor-se a mais de duas horas de luz natural por dia, de preferência no turno da manhã.
  • Desconectar-se dos dispositivos eletrônicos pelo menos duas horas antes de dormir.
  • Permanecer menos de 10 horas sentado(a) ou em atividade sedentária.
  • Realizar atividade moderada a vigorosa durante pelo menos 30 minutos por dia, preferencialmente pela manhã.
  • Dormir entre 7 e 9 horas por dia, e uma ou duas horas a mais no caso de crianças e adolescentes, respectivamente.
  • Se fizer a sesta, que ela dure menos de 30 minutos.
  • Nos fins de semana, levantar-se aproximadamente na mesma hora que os dias de trabalho da semana.
  • Jantar no mínimo duas horas antes de se deitar para dormir.
  • Tomar café da manhã todos os dias.

Dr. Juan Antonio Madrid Pérez

Especialista em Nutrição pela Universidade de Granada (1985) e especialista em Cronobiologia pela Universidade Pierre et Marie Curie em Paris (1988). Dr. Juan Antonio Madrid PérezProfessor de Fisiologia nas Universidades de Granada, Extremadura e Múrcia. Professor de Cronobiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Múrcia. Catedrático de Fisiologia do Departamento de Fisiologia da Universidade de Múrcia desde 1998. Coordenador do Mestrado on-line em Sono: Fisiologia e Medicina desde 2012.

Diretor do Laboratório de Cronobiologia da Universidade de Múrcia desde 1992, e responsável pelo Grupo de Excelência em Pesquisa em cronodisrupção e saúde da região de Múrcia.