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SAÚDE| 20.03.2020

Mariano Esteban: “É necessário usar todos os meios clínicos para proteger a população, até que o ritmo da infecção desacelere e o organismo consiga superá-la”

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Mariano Esteban, pesquisador do CSIC, chefe do Grupo Poxvirus y Vacunas do Centro Nacional de Biotecnologia e membro do comitê científico da OMS, conduziu seu trabalho por muitos anos desenvolvendo vacinas contra vírus emergentes como chikungunya, ebola ou zika. Nesses momentos, segundo explica durante a entrevista, ele está usando toda a sua experiência junto com sua equipe para desenvolver uma vacina contra o coronavírus.

Uma das questões que chamam a atenção na análise desse vírus é a possível diferença daquele que se expande na Espanha em comparação com o que foi detectado na China. O vírus pode sofrer mutação ao longo do tempo e isso explicaria a diferença na porcentagem de mortalidade nos países?Mariano Estevan

Por ser um vírus de ácido ribonucleico (RNA) de cerca de 30 mil nucleotídeos é lógico que, durante sua propagação na população, ocorram algumas mutações em seu genoma. Comparado com outros vírus RNA como o HIV e a gripe, o SARS-CoV-2 é bastante estável.

Ainda não há evidência científica de que o vírus que circula na Espanha seja mais
letal do que o originado em Wuhan; os estudos comparativos de sequências genômicas na população e patogenicidade de vírus isolados dos pacientes com diferentes graus de virulência responderão a essas perguntas.

A que outros fatores se deve a diferente margem de mortalidade nos países com maior incidência?

A mortalidade está relacionada com diferentes causas; entre elas, pessoas que sofrem com outras patologias, com uso de diversas medicações ou imunodeficientes, o que debilita a resposta do sistema imunológico à infecção pelo SARS-CoV-2. Também interfere a maior idade de vida média da população espanhola em comparação com outros países; em geral essa população tem o sistema imunológico menos potente frente a patogênicos que a população mais jovem. Essas considerações devem ser estabelecidas em nível científico.

As notícias relatam que na Coreia e em Singapura quase não há mortos, enquanto em alguns países europeus a porcentagem continua subindo rapidamente. Qual seu prognóstico e quanto tempo devem durar as medidas mais drásticas adotadas até a estabilização do pico de infecções?

As ações realizadas pela Coreia do Sul, Cingapura e Hong Kong foram imediatamente colocadas em prática depois do surgimento da epidemia em Wuhan, o que permitiu estabelecer interrupções, evitando a propagação do vírus. Além disso, as idades populacionais são diferentes em comparação com a Espanha. Quando maior o número de idosos expostos, mais suscetível o país será à infecção pelo coronavírus.

Como virologista, considero necessárias as medidas drásticas adotadas na Espanha, uma vez que o vírus está amplamente distribuído entre a população, que deve atingir o pico dos infectados e reduzir a incidência no número de casos entre abril e maio. Com a ausência de casos de infecção, o vírus vai desaparecendo ou se tornando crônico pela resistência natural adquirida pela população. Ainda não sabemos quanto tempo dura a resistência à nova infecção de um organismo.

Por que esse vírus afeta as pessoas em diferentes níveis de gravidade? Tem relação com os anticorpos adquiridos ou a imunorresistência ao
vírus?

Como contra todos os patógenos, o organismo se defende por meio dos dois braços essenciais do sistema imunológico que afastam as infecções: por um lado, a ativação das células B que produzem os anticorpos contra o patógeno e, por outro, os linfócitos T (derivados do timo), cuja missão é atacar e destruir as células infectadas pelo vírus. Em geral, quanto maior a idade, menor a resistência.

A combinação de resistência natural e a dos que foram infectados aumentará a resistência da população ao vírus, limitando sua propagação. No entanto, ocorrerão segundas e terceiras ondas de infecção, mas serão bem menos agressivas.

Em uma pandemia desse tipo, devemos estar cientes de que existem riscos reais que nos afetam como espécie humana? Você acha que a Covid-19 veio para ficar? É possível que a situação que estamos vivendo se repita futuramente?

A humanidade sofreu epidemias/pandemias produzidas por microrganismos ao longo dos séculos (peste, cólera, varíola, gripe, sarampo, poliomielite, ebola, zika, chikungunya, dengue e outras), com milhões de mortes e dizimando populações. A pandemia produzida pelo SARS-CoV-2 pode ficar ou desaparecer, com rebotes esporádicos. Com o tempo vamos descobrir.

Sobre o trabalho que está sendo desenvolvido no CNB em busca de uma vacina, estamos longe de ter acesso a essa vacina ou a alguma outra solução para enfrentar esse vírus? Em caso de mutação, as vacinas vão continuar servindo?

Vários países, entre eles, a Espanha, estão trabalhando no desenvolvimento de uma vacina contra o SARS-CoV-2 , causador da COVID19. Meu grupo está desenvolvendo uma vacina voltada para os antígenos do coronavírus, que são responsáveis pela indução de respostas imunes que consideramos protetivas.

Outro grupo do CNB, liderado por Luis Enjuanes, está trabalhando no desenvolvimento de uma vacina baseada no coronavírus atenuado.

Considero que não será necessário produzir uma vacina específica para cada país ou região, e que as diferentes vacinas produzidas servirão de forma individual ou conjunta contra o coronavírus onde quer que a infecção prevaleça.

Como especialista no assunto, qual o nível de preocupação gerado por esta pandemia?

Logicamente o objetivo é não deixar que as pessoas morram por causa da infecção. É necessário tentar com todos os meios clínicos e uso de antivirais disponíveis e que podem ter algum efeito benéfico na proteção da população, para que o ritmo da infecção desacelere e o organismo consiga superá-la.

Precisamos identificar antivirais específicos, o que levará tempo, e desenvolver anticorpos como medidas rápidas de contenção terapêutica, mas a vacina é o remédio mais eficaz para o controle da pandemia.  Agradecemos o compromisso do presidente do Governo espanhol em desenvolver uma vacina e a concessão de fundos pelo Ministério da Ciência e Inovação com o objetivo de lutar contra o coronavírus.