ECONOMIA| 03.02.2021
Rumo ao novo normal
Gonzalo de Cadenas-Santiago
O título deste artigo pode parecer pretensioso se você considerar a gravidade com que a terceira onda está nos golpeando. É verdade que a economia global enfrenta momentos de grande incerteza, mas é possível ver um cenário no qual o mundo emerge da recessão já no final do primeiro semestre deste ano.
Não devemos ignorar que o FMI tenha feito uma revisão e apontado do crescimento econômico mundial como positivo, liderado pelos EUA e a China. É algo que já incluímos no nosso último relatório Panorama: os EUA certamente serão a primeira economia a voltar a ter um PIB no mesmo nível que tinha no final de 2019.
De uma maneira geral, esperamos que, na média, entre 2021 e 2022, o mundo cresça de forma moderada, acima do seu potencial. Esta visão central acredita que o retorno à normalidade será alcançado com uma saída da crise relativamente tranquila com a imunidade coletiva dentro de aproximadamente seis meses. Entretanto, estamos conscientes do quanto é arriscado acreditar nesses desfechos para o vírus em um prazo tão curto. Por isso, também consideramos um cenário de estresse, em que o retorno à normalidade é adiado e os desfechos epidemiológicos seriam alcançados somente em 2022 e, assim, a recuperação seria adiada por um ano.
Esta recuperação econômica será impulsionada pelo consumo, baseada em expectativas que permitam a liberação das economias monetárias não intermediadas e acumuladas de forma preventiva, e/ou em antecipação de futuros custos fiscais. Em ambos os cenários, a política monetária das economias desenvolvidas permanece extremamente ajustável e anticíclica no seu impulso de produzir condições de liquidez favoráveis sem precedentes e no seu esforço para acomodar a política fiscal. Sobre isso não há dúvidas, apesar de alguns bancos centrais, como o Banco da Noruega, terem antecipado a possibilidade de abandonar as taxas zero no início de 2022.
Isto reduz a recuperação da contribuição dos mercados desenvolvidos, que capitalizarão o dobro do impulso monetário e fiscal, contribuindo com dois terços do fechamento do diferencial do produto (output gap) graças ao avanço da demanda privada. No entanto, os países emergentes terão um caminho mais longo a percorrer, considerando os desequilíbrios e as vulnerabilidades do passado.
Este cenário de recuperação depende do equilíbrio de riscos. Destacam-se: a redução de riscos relacionados à política externa, pois espera-se uma abordagem mais transparente, multilateral e tranquila com o novo cenário nos Estados Unidos e a vitória do partido democrata liderado por J. Biden; a recessão econômica provocada pelas medidas de confinamento e de distanciamento social implementadas para enfrentar a pandemia de Covid-19, que levou a relação dívida/PIB mundial a um novo valor histórico de 356% no terceiro trimestre de 2020; a intensidade dos eventos geopolíticos adversos, que continua elevada, à medida que a incerteza global se consolida, aumentando a distância entre os países desenvolvidos e os emergentes, o que se intensificou com a deterioração institucional; as consequências de uma nova onda de contágio do vírus da Covid-19, o risco de mutação na sua estrutura e a possibilidade de novos confinamentos para sua contenção, o que poderia desequilibrar as perspectivas para a primeira metade de 2021.
O retorno da economia aos níveis anteriores aos da crise acontecerá em um novo contexto internacional com profundas mudanças entre seus principais jogadores. De acordo com as recentes previsões do FMI, acredito que a China desempenhará um papel fundamental na recuperação global. É um rival geopolítico, tecnológico e comercial extraordinário e seu status e sua relação com os Estados Unidos e com a União Europeia está se transformando de acordo com essas variáveis. A América Latina tem sido a região mais afetada pela Covid-19 devido à demora da resposta econômica (pouco espaço fiscal), a pouca preparação e capacidade sanitárias e aos desequilíbrios e vulnerabilidades existentes (economias fracas, vulnerabilidades externas, dependência do ciclo de matérias-primas e do setor de turismo). Nos Estados Unidos, a era Trump e sua abordagem bilateral e autonomista chegaram ao fim, dando início à administração de J. Biden, que inverterá grande parte das políticas do seu antecessor. Na Europa, apesar dos recentes surtos, espera-se um importante crescimento em 2021, ainda assim, insuficiente para atingir os níveis pré-crise até meados de 2022 e a lacuna do produto não se fechará antes de 2024. A Espanha, para a qual mantemos um crescimento de 6,1%, será a economia que mais vai demorar para recuperar o que perdeu durante esta crise.
Em suma, as notícias relacionadas à pandemia, com a confirmação das novas variantes do vírus, não dão margem para otimismo. Contudo, em termos macroeconômicos, tivemos a demonstração de alguma resiliência no quarto trimestre, e o novo normal está próximo. Entretanto, a retomada da atividade que se aproxima terá implicações na curva da taxa de juros, da inflação e das taxas de câmbio. Mas vamos tratar disso em outro momento.