ECONOMIA| 25.07.2023
A OPA hostil da Geopolítica na Economia e no Direito
Julia Gómez de Ávila Segade
MAPFRE Global Risks
Na quinta-feira passada, 13 de julho, a Sede Social da MAPFRE reuniu Mira Milosevich-Juaristi, pesquisadora principal do Real Instituto Elcano, e Lourdes Catrain, sócia regulatória em Hogan, para analisar o atual contexto geopolítico em que nos encontramos.
Acompanhadas por Juan José Pedraza Laynez, Diretor Corporativo de Assessoria Jurídica da MAPFRE España, e por Laura González, Diretora de Assessoria Jurídica da MAPFRE Global Risks, se dirigiram a um público de mais de 80 pessoas, entre as quais se encontrava Bosco Francoy, CEO da MAPFRE Global Risks.
O painel foi iniciado por Mira Milosevich, que falou sobre o contexto geopolítico e como a guerra na Ucrânia colocou em evidência o risco geopolítico para as empresas, que na opinião da especialista, não estava tão presente antes. Ela começou definindo o conceito de ordem mundial e sua fragmentação. “Quando uso a frase de ordem mundial, estou me referindo à distribuição do poder. E onde a fragmentação pode ser observada? Na ascensão das potências revisionistas, aquelas que não concordam com o status quo da ordem internacional”, criada e sustentada pelos Estados Unidos (EUA) após a II Guerra Mundial e a Guerra Fria. Essas potências revisionistas, com destaque para a Rússia, a China e a Turquia, querem alterá-la.
Ela assevera que estamos diante de uma consolidação do Ocidente e de uma maior fragmentação do resto do mundo que não quer escolher um bloco, porque o que importa é seu desejo de não pertencer a nenhum e de escolher suas alianças ad hoc. “Em cada momento, o que é de seu interesse nacional”.
Ucrânia, sanções e incerteza
Voltando à conjuntura da guerra na Ucrânia, ela observa que nenhum dos dois atores mudou seus objetivos políticos: A Rússia quer impedir a aproximação da Ucrânia com o Ocidente, e a Ucrânia quer defender seu território. E explica: “No nível estratégico, nenhum dos países definiu o que seria uma vitória, o que dificulta a percepção do exterior; e no nível tático, há a ofensiva da Ucrânia, que está indo mais devagar do que o previsto, de acordo com as palavras do presidente ucraniano”.
Embora 141 países já tenham condenado a invasão russa, nem todos impuseram as sanções por diferentes motivos. Ela considera que “a grande perdedora” da guerra na Ucrânia é a Europa. “A União Europeia (UE), e a Espanha como membro, estão em uma situação muito delicada devido ao fim do modelo alemão (gás barato da Rússia, comércio com a China e segurança e defesa garantida pelos EUA), pois corre o risco de iniciar uma grave desindustrialização”. De acordo com Milosevich, a UE enfrenta três questões cheias de incerteza: as eleições nos EUA em 2024, o desfecho da guerra na Ucrânia e o papel desempenhado pela UE entre a China e os EUA.
No final de sua palestra, a pesquisadora do Real Instituto Elcano enfatizou a distinção entre dois termos: “Embora os EUA continuem sendo a única superpotência do mundo, acredito que o conceito de poder está sendo confundido com o conceito de influência e os EUA estão perdendo influência. Por causa dos próprios erros e pela ascensão das potências revisionistas”.
Para finalizar, ela se referiu à recente publicação da UE sobre a estratégia de segurança econômica, sobre a qual observou: “Há muita geopolítica e muito pouca economia e, em um sistema de livre mercado, isso representa muita regulação”. Ela lembrou que não existe um governo supranacional europeu que controle tudo, por isso “se transforma em segurança nacional, transatlântica… Essa é mais uma prova de como a Geopolítica fez uma OPA hostil à Economia, porque tudo está se transformando em segurança nacional”.
Rússia e o Conselho de Segurança
A segunda parte da apresentação abordou o Direito e contou com Lourdes Catrain, quem agradeceu a perspectiva de Milosevich em relação à OPA hostil: “A Geopolítica também fez uma OPA hostil ao Direito”.
Ela começou sua palestra abordando o marco jurídico das sanções, porque, por um lado, 141 países se posicionam contra a invasão, mas as sanções devem ser aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). “Dos cinco membros, um é a Rússia. O que acontece? Eles nem sequer aparecem”.
Chegamos “quase órfãos” ao conflito com a Rússia, em sua opinião, “mas não totalmente, porque contamos com os EUA, que em questões jurídicas, é uma superpotência, quer gostemos ou não”. Por um lado, porque é um país único, diferentemente dos 27 que integram a UE com suas correspondentes diferenças políticas e jurídicas. Por outro lado, os EUA aplicam sanções “de uma maneira muito sofisticada” há 30 anos, as sanções na Europa começaram a ser aplicadas em 1993 com o tratado de Maastrich-. Neste ponto, a especialista apresenta uma diferença com a palestra de Mira. “Os EUA são uma superpotência pela dolarização da economia mundial e isto, no tema das sanções, é muito importante, porque sempre que há uma transação em dólares, significa que as sanções americanas são aplicáveis. E a Europa está tentando fazer com que o euro substitua o dólar na economia”.
Sanções
Catrain define o marco jurídico como “de enorme complexidade”. Começou em 23 de fevereiro de 2022 e, atualmente, 11 pacotes de sanções foram apresentados, o último em 23 de junho de 2023. Com a chegada de 2022, surgiu uma situação única com a guerra na Ucrânia: “A Europa surge do nada com algumas ideias muito inovadoras sobre como tentar causar o maior dano possível à Rússia com sanções setoriais, que são únicas e muito mais duras que as dos EUA”.
Em primeiro lugar, os bancos são sancionados mediante o congelamentos de ativos. Além disso, a importação e exportação de mercadorias é proibida. O mesmo acontece com a indústria automobilística, que afeta especialmente a alemã e a espanhola.
“Não contente com as medidas de congelamento de ativos, contínua a especialista, as transaction bank são criadas na UE para colocar as mãos na Rosneft sem aplicar o congelamento de ativos, pois a economia alemã dependia do gás russo e não podia prescindir dele da noite para o dia”. E ela revela um dado que justifica a chamada criatividade jurídica: “As regras do congelamento de ativos dizem que, se tiverem mais de 50% ou puderem exercer controle, também as filiais estarão sujeitas ao congelamento de ativos, a menos que se prove o contrário; portanto, a UE estava submetendo entidades europeias ao congelamento de ativos. O que foi feito? Criatividade jurídica. Um tipo de monitoramento rigoroso liderado pela Alemanha para que essas filiais europeias possam continuar com suas operações sob um auditor independente”.
Onde aparece uma questão pendente é na falta de recursos para investigar as regulamentações, pois elas são elaboradas em cada país de acordo com a norma desses países e há grandes diferenças entre umas e outras. Por este motivo, Catrain anuncia que a UE está tentando convergir uma nova regulamentação para os próximos anos, juntamente com a regulamentação sobre a lavagem de dinheiro, para que exista uma harmonização jurídica de mínimos ao longo da UE.
Para concluir, Catrain compartilha sua percepção: “A UE está se encontrando a si mesma”. E ela argumenta: “Primeiro com a COVID e depois com a guerra na Ucrânia. A Europa demonstrou que, quando há uma tragédia a nível humano, falamos a mesma língua. E isso deu à UE muito impulso”.
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