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ECONOMIA| 17.11.2022

O impacto do risco climático no sistema financeiro

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A cúpula anual do clima das Nações Unidas, conhecida como COP27, alerta de que é preciso reduzir as emissões globais de gases do efeito estufa em 43% até 2030 para evitar uma catástrofe ambiental. Esta é uma ameaça que afeta a todos, incluindo o setor financeiro.

O impacto pode ser observado no nível creditício, de reputação, operacional e de mercado. No lado das seguradoras, eventos climáticos extremos podem impulsionar uma queda na cobertura de seguros. Para os bancos, isto se traduz em um aumento na probabilidade de inadimplência tanto para famílias quanto para empresas, bem como na redução das garantias que apoiam os empréstimos. Também afetam os preços dos ativos e sua volatilidade, além de reduzir a capacidade de pagamento dos mutuários.

Ambos, seguradoras e bancos, têm algo a perder. O último relatório global da Associação Internacional de Supervisores de Seguros, publicado em 2021, aponta que mais de 35% dos ativos de investimento das seguradoras (incluídas as ações e a dívida corporativa, os empréstimos e hipotecas, os títulos soberanos e imóveis) podem ser considerados “relevantes para o clima”, isto é, expostos aos riscos climáticos. A maioria deles está relacionado a contrapartes nos setores de habitação e intensivos em energia. Ainda, o órgão indica que as seguradoras estão duplamente expostas, porque assinam riscos e investem em ativos que poderiam ser afetados pela mudança climática.

Ricardo González García, diretor de Análise, Estudos Setoriais e Regulamentação da MAPFRE Economics, explica que os efeitos derivados da mudança climática estão causando um aumento na frequência e magnitude dos desastres naturais. Em geral, estima-se que estes riscos secundários respondem por mais da metade das perdas seguradas por desastres naturais e, em particular, em 2021 representaram mais de 70% de todas as perdas seguradas por este tipo de acontecimentos. Em 2021, as perdas econômicas globais atribuíveis a desastres naturais, com dados de Swiss RE, foram estimadas em torno de 270 bilhões de dólares, 50 bilhões a mais do que no ano anterior. As perdas totais seguradas atingiram 119 bilhões de dólares, o quarto montante mais alto para um único ano nos registros disponíveis.

Por outro lado, o Banco Central Europeu fez recentemente uma advertência aos bancos de que, em caso de não abordarem os riscos financeiros decorrentes da mudança climática, haverá maiores requisitos de capital e penalidades, o que aumentará a pressão sobre o sistema. Anteriormente, em julho deste ano, a entidade presidida por Christine Lagarde calculou um impacto negativo de 70 bilhões de euros para os bancos como consequência de um incremento nos fenômenos climáticos extremos. Além disso, de acordo com o regulador europeu, quase dois terços das receitas geradas pelo setor por parte de clientes corporativos não financeiros provêm de indústrias intensivas em gases do efeito estufa, o que aumenta a probabilidade de que a transição desordenada para uma economia de baixas emissões.

No contexto destes desafios enfrentados pelo setor financeiro, está a guerra na Ucrânia, que tem afetado o investimento em fundos ESG. O último relatório publicado pelo Comitê Conjunto das Autoridades Europeias de Supervisão (EBA, ESMA e EIOPA) indica que os volumes de emissão de títulos ESG caiu 29% a partir do início do ano até junho, em comparação com o mesmo período de 2021. No lado positivo, a emissão das empresas europeias se manteve ao mesmo nível, graças principalmente à expansão do mercado de títulos vinculados à sustentabilidade.

Como pode ser combatido?

Para cumprir suas obrigações frente à mudança climática, a União Europeia elaborou o Regulamento de divulgação de informações relativas à sustentabilidade no setor de serviços financeiros (SFDR UE), cujo objetivo é melhorar a transparência e estandardização dos produtos financeiros no âmbito ambiental. Isto se soma ao Regulamento sobre a taxonomia, que estabelece uma lista de atividades econômicas que podem ser consideradas sustentáveis com base em seis objetivos ambientais. Esta pode ser a medida mais importante, mas este ano também se tornou a mais controversa, após Bruxelas ter aprovado a inclusão da energia nuclear e do gás como atividades cobertas pela etiqueta verde.

Paralelamente, o Conselho Europeu concordou em junho deste ano com as modificações da Diretiva de Solvência II, que destaca o papel do setor dos seguros e resseguros na contribuição para a realização da União dos Mercados de Capitais e ao financiamento das transições verdes e digitais. Quanto ao papel da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA), o Conselho lhe encarregou a tarefa de elaborar um relatório sobre a avaliação dos riscos relacionados à perda de biodiversidade por parte das seguradoras, juntamente com os desastres naturais e os riscos relacionados ao clima, em sintonia com o “Green Deal” europeu, e também solicitou a definição de diretrizes consistentes para as regras nacionais seguidas pelas seguradoras ao avaliar seus riscos macroprudenciais, isto é, os riscos que afetam todo um setor ou a economia como um todo.

Por sua vez, o Instituto de Finanças Internacionais propôs, em 2021, que as autoridades prudenciais considerassem tanto o objetivo microprudencial de resiliência quanto o macroprudencial de examinar o alinhamento do sistema financeiro com o futuro climático. Em julho deste ano, recomendou a utilização de análises estandardizas para quantificar o impacto de diferentes cenários de risco.

A nível empresarial, no âmbito de seu Plano Estratégico de Sustentabilidade 2022-2024, dentro do conceito #AParteQueNosToca, a MAPFRE se comprometeu com contribuir para a descarbonização da economia, visando a alcançar a neutralidade de emissões de efeito estufa até 2050, ou seja, zero emissões líquidas em suas carteiras de assinatura de seguros e resseguros. Para alcançar este objetivo, a MAPFRE promove acordos, produtos e serviços para reduzir o consumo de energia e a pegada de carbono, e assume compromissos públicos como não segurar nem investir em empresas de carvão, gás ou petróleo que não possuam um plano de transição energética.

A MAPFRE também assumiu o compromisso da desenvolver uma linha de produtos denominados ISR que, além de serem rentáveis para o cliente, têm um impacto positivo na sociedade. Por sua vez, a MAPFRE Asset Management, gestora de ativos da empresa, conta com vários fundos específicos adaptados ao novo regulamento europeu sobre divulgação das finanças sustentáveis (SFDR, pelas siglas em inglês), e há outros produtos de investimento sustentável, como o fundo de infraestruturas lançado com Abante ou os investimentos em energia renováveis juntamente com a Iberdrola.

Entre 2019 e 2021, a MAPFRE diminuiu em 20% suas emissões e reduziu em mais de um milhão de toneladas as associadas aos investimentos. É um número que, segundo a explicação de Javier Miralles, Equity Portfolio Manager em MAPFRE AM, “é suscetível de melhoria no futuro e demonstra o compromisso da empresa em combater os riscos climáticos”.

Novos desafios para o setor segurador

Segundo González García, as entidades seguradoras já possuem modelos para calcular o preço dos seguros, mas se ocorrerem desvios importantes como consequência de mudanças nos padrões de comportamento desses acontecimentos e em sua magnitude, pode chegar um momento em que o custo das coberturas seja tal que acabem desaparecendo do mercado ou simplesmente fiquem em uma situação de riscos não seguráveis devido à falta de dados para sua tarifação.  

Em qualquer caso, existe uma importante lacuna de proteção contra alguns eventos específicos, como é o caso das enchentes. Estima-se que nos últimos 20 anos, os seguros apenas cobriram 7% das perdas econômicas totais por enchentes nos mercados emergentes e 31% nas economias avançadas. Para estes casos em que o seguro não pode chegar, em geral existem outros tipos de mecanismos baseados em auxílios públicos ou colaborações público-privadas, que visam aliviar em certa medida os danos sofridos pela população. Neste contexto, García reconhece que “ainda há muito a ser feito e que as entidades seguradoras podem oferecer muito conhecimento e infraestrutura para divulgar este tipo de fórmulas e combater o cenário que estamos enfrentando”.