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ECONOMIA | 16.01.2025

O ciclo de crédito: qual é o seu papel nas crises econômicas?

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Consumo, taxa de desemprego, inflação, produção industrial… Todos estes indicadores têm um forte impacto na atividade econômica e são vigiados de perto pelos analistas. A atividade creditícia é outro deles: a fase do ciclo creditício no qual nos encontramos está estreitamente relacionada com os episódios de contração e expansão da economia.

Em termos gerais, a expansão do crédito a residências e empresas tem um efeito benéfico na economia, embora isso não signifique que esta atividade esteja isenta de riscos, tal como explica a MAPFRE Economics, o Serviço de Estudos da MAPFRE, no relatório Crédito e atividade seguradora, que analisa a evolução e o papel do crédito na economia e sua relação com a demanda seguradora.

Um crescimento excessivo e acelerado do crédito, unido ao relaxamento dos critérios para sua concessão, pode desencadear ou agravar as crises econômicas. A isto também é preciso somar a reação das instituições financeiras nestas situações, que tendem a restringir a concessão de crédito e isso costuma acarretar correções importantes no preço dos ativos, prolongando e aprofundando, por sua vez, a crise econômica inicial.

Um dos indicadores utilizados para identificar o momento do ciclo de crédito em que determinada economia se encontra é a chamada “brecha de crédito”, que mede os desvios do crédito em relação ao PIB em comparação com sua média histórica de longo prazo (credit to GDP gap). Este índice é utilizado, entre outros indicadores, pelos supervisores bancários para avaliar riscos sistêmicos e determinar as exigências da reserva contracíclica às entidades de crédito.

No Japão, é possível apreciar o ciclo expansivo do crédito que ocorreu no final dos anos oitenta e início dos anos noventa do século passado, com uma ampla brecha de crédito positiva tanto para residências como para o setor corporativo. Durante os anos oitenta, uma combinação de baixas taxas de juros, políticas monetárias relaxadas e um excesso de confiança na continuidade do crescimento econômico levaram a um aumento acelerado dos preços dos terrenos e da moradia. Bancos e instituições financeiras expandiram fortemente o crédito com garantia hipotecária de terrenos e casas cujas avaliações não deixavam de aumentar, e as empresas investiram fortemente em bens imóveis recorrendo ao endividamento, o que gerou uma nova alta dos preços destes ativos e de todos os preços em geral, provocando uma espiral inflacionista. Diante desta situação, no início dos anos noventa, o Banco do Japão começou a aumentar as taxas de juros para controlar a inflação, o que provocou uma abrupta correção dos preços dos ativos. O mercado imobiliário desabou deixando as entidades bancárias, corporações não financeiras e os particulares com enormes dívidas e ativos desvalorizados, o que freou a nova construção de moradias e desencadeou uma profunda recessão econômica que durou uma década e teve consequências a longo prazo para a economia japonesa.

No caso dos Estados Unidos, a crise imobiliária de 2008 também teve sua origem na expansão descontrolada do crédito e na especulação no mercado imobiliário. Durante anos, as baixas taxas de juros e a negligência na concessão de hipotecas, especialmente as conhecidas como “subprime”, impulsionaram uma bolha imobiliária. Milhões de pessoas, inclusive com baixa renda e um histórico de crédito deficiente, acessaram empréstimos hipotecários, acreditando que os preços das moradias continuariam subindo indefinidamente. Muitos desses créditos foram titularizados e vendidos a investidores institucionais e varejistas de todo o mundo, graças ao profundo desenvolvimento do mercado de capitais dos Estados Unidos.

Esse reaquecimento do mercado imobiliário acabou sendo transferido para o resto da economia, gerando uma espiral inflacionista, como aconteceu no Japão no início dos anos noventa do século passado. Assim, quando o Banco Central começou a aumentar as taxas de juros de política monetária em 2004 para controlar a inflação, muitos proprietários se viram incapazes de pagar suas hipotecas, o que provocou um aumento massivo das execuções hipotecárias. O valor das habitações despencou, arrastando consigo bancos e instituições financeiras que haviam investido em produtos derivados lastreados por essas hipotecas. O resultado foi uma crise de liquidez que se estendeu rapidamente por todo o sistema financeiro global, desencadeando o que acabou sendo denominado Grande Recessão.

Outra crise econômica originada pelo excesso de crédito foi a crise imobiliária na Espanha, com seu auge entre 2007 e 2008 e que se prolongou até 2011-2012, vinculando à crise da dívida soberana na zona do Euro. A crise imobiliária espanhola foi o resultado de uma bolha especulativa no setor da construção, que vinha se formando praticamente desde o final dos anos noventra, influenciada também pela forte expansão do crédito no início dos anos 2000, com a entrada da Espanha no euro. Fatores como a facilidade de acesso ao crédito, as baixas taxas de juros e a crescente demanda, tanto interna quanto externa, provocaram um aumento desmedido dos preços e da construção de novas habitações, cujo número crescia a um ritmo exorbitante com recurso ao crédito, frequentemente em áreas com pouca demanda real, gerando expectativas de que os preços continuariam subindo indefinidamente. O gatilho que motivou a crise na Espanha foi o da crise financeira global de 2008. O crédito ficou mais caro, a demanda contraiu e os preços começaram a cair. Milhares de famílias se viram incapazes de pagar suas hipotecas, o que levou a um aumento das execuções hipotecárias e agravou a crise. O setor da construção, motor da economia espanhola por anos, entrou em colapso, arrastando outros setores e provocando um forte aumento do desemprego.

A crise imobiliária teve um impacto profundo na economia espanhola e, desde então, o ritmo de construção de novas habitações jamais voltou ao nível do auge do ciclo de crédito que desencadeou a crise posterior. Como resultado disso, ocorreu uma reestruturação e concentração bancária na década seguinte, que mudou totalmente o panorama do setor bancário e segurador.

Quais países têm mais risco atualmente de sofrer uma crise relacionada com o crédito?

Ao analisar uma série histórica da brecha de crédito para o setor privado, as famílias e as corporações não financeiras nos três países mencionados que sofreram crises decorrentes de excesso de crédito (Japão, Estados Unidos e Espanha), observa-se que essas crises econômicas impactaram variáveis diretamente relacionadas à atividade seguradora, como a construção de novas habitações, o preço dos imóveis e o registro de novos veículos. Além disso, os efeitos sobre o PIB nominal e o consumo privado também tiveram repercussões negativas na atividade seguradora.

A análise da brecha de crédito calculada ao final do primeiro trimestre de 2024 (credit to GDP gap) revela que a economia da Argentina é atualmente a que apresenta maior risco em relação à situação de seu ciclo de crédito, principalmente devido à elevada brecha no crédito ao setor público, 19,2 pontos percentuais do PIB acima de sua média histórica de longo prazo no encerramento do primeiro trimestre de 2024. Na sequência estão Irlanda, Noruega e Dinamarca, que apresentam uma brecha elevada tanto no crédito às famílias quanto às empresas não financeiras, com percentuais do PIB substancialmente superiores às suas médias históricas de longo prazo. Destacam-se também os casos da República Tcheca e da China, devido à brecha no crédito às empresas não financeiras, com percentuais do PIB significativamente acima de suas médias históricas de longo prazo.

No sentido oposto, economias como Japão, Espanha e Estados Unidos, após as profundas crises imobiliárias enfrentadas, entraram em um processo prolongado de desalavancagem das famílias e do setor corporativo, apresentando atualmente um menor risco de crédito, todas com brechas de crédito negativas, ou seja, percentuais do PIB abaixo de suas médias históricas de longo prazo. O mesmo ocorre em países como Grécia e Portugal. No entanto, nesses países, bem como na Espanha e, de forma geral, no restante da zona do euro (com exceção da Alemanha), a brecha negativa no crédito aos governos está se fechando rapidamente, o que pode gerar vulnerabilidades no futuro.

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