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ECONÔMIA | 12.01.2023

América Latina ou o permanente desafio econômico

Manuel Aguilera

Manuel Aguilera

Diretor Geral da MAPFRE Economics

 

Por décadas, a América Latina viveu em um paradoxal equilíbrio. Por um lado, na expectativa do enorme potencial que se deriva de uma comunidade de mais de 660 milhões de habitantes e do acesso a abundantes recursos naturais e, por outro, em uma realidade que sistematicamente parece confirmar as dificuldades para materializar essa capacidade econômica latente.

Durante a pandemia da Covid-19, a América Latina foi a região mais afetada do mundo, não só do ponto de vista sanitário, mas também da perspectiva do efeito econômico que acarretaram as medidas de controle implementadas. A queda do PIB regional em 2020 (-6,7%) foi muito superior não só à média mundial (-3,3%), mas também ao conjunto de outras regiões emergentes do mundo: África Subsaariana (-2,0%), Europa Emergente (-3,8%), África Ocidental e Central (-3,8%), Oriente Médio e África do Norte (-3,9%) ou o Sudeste Asiático (-5,2%). Mais ainda, a recuperação registrada pela economia latino-americana em 2021 mal conseguiu superar a queda do ano anterior em 0,08 pontos percentuais, novamente muito abaixo da média global que foi de 2,5 pontos. Tudo isso levou a que, no final de 2021, quase 13% da população latino-americana estivesse em uma situação de extrema pobreza. No quinquênio anterior, essa proporção tinha conseguido reduzir-se para 7,8%.

O certo é que, mesmo antes da irrupção da crise sanitária em 2020, a economia latino-americana já vinha mostrando sinais de fraqueza. Entre 2014 e 2019, a taxa média de crescimento real do PIB da região tinha se situado em 0,3%, e em 2019 esta foi de somente 0,1%; dinâmica que esteve muito abaixo da taxa inercial de crescimento de meio prazo da região que se situa em torno de 2%. Neste comportamento, influiu a fraqueza do crescimento global desses anos, assim como a deterioração dos termos de intercâmbio que enfrentaram os países latino-americanos por causa da desvalorização de suas moedas. Além disso, além da conjuntura, continuaram pesando os problemas de natureza estrutural não resolvidos na região: o baixo nível de PIB per capita, as dificuldades para elevar os níveis de produtividade e a enorme desigualdade econômica e social.

E se a pandemia criou um ambiente desfavorável para o crescimento econômico da região, a pós-pandemia está configurando outro igualmente complexo: no terreno geopolítico, a incerteza pelo futuro da guerra na Ucrânia e suas consequências sobre a economia global; no âmbito da política econômica, a duração e efeitos da política monetária restritiva que os bancos centrais aplicam para conter as pressões inflacionárias, assim como as limitações da política fiscal para agir como instrumento anticíclico; e no terreno político, o fortalecimento dos populismos com capacidade de magnificar estes impactos desfavoráveis no meio e longo prazo. Assim, as perspectivas de crescimento da América Latina, apesar de terem melhorado marginalmente em 2022 (3,5%), mostram-se menos otimistas para 2023, situando-se em uma margem que poderia oscilar entre 1,7% e 0,8%, nos cenários base e conturbado.

Operando para materializar o cenário menos favorável estão: a inflação e a deterioração do poder aquisitivo; a política monetária restritiva que, pela via de condições financeiras mais taxativas, conduzirá a um menor consumo e investimento, assim como a um maior serviço da dívida pública e privada; a menor liquidez global que dificultará o refinanciamento da dívida dos governos e corporativos da região; uma política fiscal carente de espaço e que, se persistir, poderia gerar maiores desequilíbrios fiscais e o consequente aumento dos prêmios de risco; e, por último, o menor dinamismo da economia dos Estados Unidos, que afetará a demanda externa das economias do México e América Central, assim como o da economia chinesa, com especial impacto nos países do Cone Sul.

No sentido oposto, a favor de um maior dinamismo da economia da América Latina em 2023, há também alguns fatores. Está, em primeiro lugar, a vantagem conjuntural do maior preço das matérias-primas que, para os países exportadores líquidos destas, oferece uma fonte excepcional de rendimentos. Trata-se de excedentes que se devessem dirigir a atender temas estruturais (redução da dívida, ampliação de infraestruturas, criação de capital humano), mas que, no âmbito das governanças que dominam a região, concorrem com a tentação do aumento das transferências diretas à população que, apesar de atenuarem as necessidades de curto prazo, limitam os efeitos positivos de meio e longo prazo sobre o emprego e o rendimento. Também, estão também a favor fenômenos como a relocalização das cadeias de fornecimento globais (nearshoring); processo que, em primeira instância, é relevante para os países latino-americanos mais vinculados à economia norte-americana, mas que também abre a possibilidade a muitas outras economias da região de conseguir uma nova e melhor inserção nas cadeias globais de valor, assim como a possibilidade de colocar em funcionamento acordos para elevar a integração econômica e comercial intrarregional.

Em síntese, em um ambiente de riscos em baixa, o panorama mostra-se complexo. Claramente, a economia da região será afetada em 2023 pela desaceleração da atividade global. Apesar disso, alguns dos fatores positivos antes assinalados não só poderiam ajudar a compensar em parte este efeito, mas também, e mais importante, a abrir novas vias para fortalecer as bases de crescimento no longo prazo, especialmente no terreno da integração comercial global e intrarregional. Por agora, a América Latina deverá continuar lutando contra o anátema do permanente desafio econômico e contra o fantasma de uma nova “década perdida”. A potencialidade da região está aí; o que parece continuar faltando é o conjunto de políticas econômicas corretas para torná-la realidade.

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