ECONOMIA | 29.08.2024
A grande ausente na América Latina
Manuel Aguilera
Diretor geral da MAPFRE Economics
A América Latina, com seus 20 milhões de quilômetros quadrados, ocupa 13% do território do mundo e abriga mais de 660 milhões de pessoas, 8% da população global. Uma região distribuída em dois hemisférios, com alta homogeneidade cultural e uma biodiversidade que compreende desde florestas tropicais até desertos. Em suma, uma região com vastos recursos naturais, abundante capital humano e, portanto, um enorme potencial econômico. Não obstante, ao longo dos últimos 75 anos, a atividade econômica da América Latina vem enfraquecendo gradativamente.
De acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, enquanto no período 1950-1979 a taxa de crescimento média anual do PIB situou-se em 5,5%, em 1980-2009 tinha caído para 2,7%, e entre 2010 e 2023 foi de apenas 1,6%.
Muito tem sido escrito sobre os problemas estruturais que mantêm o desenvolvimento da América Latina preso. Embora variáveis como a hiperinflação e o crescimento populacional que a sobrecarregaram no século passado são questões que conseguiram ser mitigadas, outras como os insuficientes níveis de poupança e investimento, a baixa produtividade, a dependência da exportação de matérias-primas, a informalidade trabalhista e a desigualdade social continuam sendo temas não resolvidos. A estes se somam outros que emergiram com o novo século como os efeitos do envelhecimento populacional, a transição energética e a redução da lacuna digital, bem como temas em matéria de democracia, governabilidade e insegurança pública. Da mesma forma, por meio do diagnóstico, também foi escrito abundantemente sobre as reformas estruturais necessárias para superar esses problemas e tornar realidade o potencial inquestionável da região. E, apesar de tudo isso, a letargia persiste.
O que é preciso para romper esta tendência secular?
Além das receitas estruturais, talvez sejam necessárias duas questões de natureza estratégica. A primeira, deixar de conceber a América Latina como um conglomerado uniforme de nações destinadas a um futuro comum. E a segunda, a presença de um fator que, diante da ausência das forças endógenas necessárias, gere exogenamente o momento de mudança que se torna indispensável.
Em sua Carta da Jamaica de 1815, Simón Bolívar propôs que, ao compartilhar origem, língua e costumes, a América Latina deveria se tornar “uma só nação com um único vínculo que ligue suas partes entre si e com o todo”. Paradoxalmente, talvez com esta noção – que foi o mantra latino-americanista por excelência – o Libertador tenha criado um dos principais obstáculos para ter uma visão objetiva sobre o que pode ser o desenvolvimento da região. E é que, longe de a realidade convergir no “sonho bolivariano”, esta diverge cada vez mais, sugerindo que talvez a ideia de uma América Latina como um destino comum seja simplesmente uma quimera.
A deterioração da região vista como um todo mascara realidades muito diferentes. Alguns dados confirmam isso. Enquanto o crescimento médio anual do PIB no Panamá até agora este século foi de 5,5%, no México foi de apenas 1,5%; a população em situação de pobreza extrema é de 0,3% no Uruguai, enquanto em Honduras significa 34,4%; os habitantes em lares que vivem em superlotação representam 5,8% na Costa Rica e 39% em El Salvador; a porcentagem de lares com serviços de água, eletricidade e saneamento atinge 98,8% no Chile, enquanto o indicador é de apenas 50,2% na Bolívia. Mesmo no terreno da percepção institucional, enquanto 79% da população do Uruguai acredita que a democracia é a melhor forma de governo, no Equador apenas 38% acham isso.
É certo que os países latino-americanos compartilham problemas estruturais, mas esses obstáculos também não são substancialmente diferentes daqueles que enfrentaram outras nações do mundo em sua etapa emergente. O que difere é que na América Latina parecem ter esgotado os mecanismos endógenos para superá-los e que é necessário algum fator exógeno que crie as condições para consegui-lo. De fato, outras nações, como as de menor desenvolvimento relativo na Europa, encontraram na ação da União Europeia esse impulso externo que contribuiu para cortar o nó górdio que as tensões sociais e políticas internas tecem para criar uma problemática que, à primeira vista, parece irresolúvel.
De onde pode vir esse impulso exógeno para a América Latina?
Da visão intrarregional, dificilmente será gerado a partir de tentativas de criar alianças que, mais inspiradas na idílica integração bolivariana do que em necessidades econômicas concretas, costumam desentender a lógica das cadeias de valor globais. E, da perspectiva do mundo que circunda a América Latina, também não derivará de projetos de cooperação que, muitas vezes, parecem tentativas de curar feridas do passado colonial. Por mais frio que pareça o argumento, no mundo em que vivemos essa exogeneidade só pode provir das relações econômicas e comerciais que umas nações estabelecem com outras para conseguir um benefício mútuo.
Aqueles polos econômicos globais, como os Estados Unidos e a China, que não olham para a América Latina com os olhos de quem tenta saldar dívidas históricas, mas com uma visão pragmática que identifica nações com potencial para se tornarem contrapartes comerciais e econômicas, estão claramente na dianteira. Enquanto isso, a Europa – que por verdadeira afinidade cultural e histórica deveria estar à frente – segue um passo atrás, sustentando uma agenda que, embora seja plausível ao tentar abordar aspectos que vão além da simples relação econômica, na prática a coloca muito longe de se tornar o fator que contribua para superar os problemas seculares que impedem o futuro da região. A Europa continua sendo a grande ausente na América Latina; ausente na concretização de alianças de longo prazo que aproveitem em benefício mútuo as potencialidades específicas, não da região como um todo, mas dos países que a compõem, e, assim, em ser o fator que aproxime a América Latina de algo que talvez não seja o ‘sonho bolivariano’, mas sim o de uma região mais próspera e justa.
(Artigo publicado no El País em 11 de agosto de 2024.